28 de maio de 2007

Capítulo 09

Algo me dizia para eu responder a pergunta de Carine com alguma mentira...

“ – Meu nome? ... Meu nome é Ricardo.” Merda! Escapou-me a verdade. O que tentei corrigir com um...”Hahaha. Mas gostei de ‘barbudinho’”.


Carine exercia uma atração estranhamente forte sobre mim. Eu precisava dela, precisava possuir aquele corpo, talvez por efeito do álcool, talvez uma necessidade carnal causada pela intensidade das ultimas horas que tinha tido até aquele momento.


Dei uma olhada rápida em volta e Pedro já se divertia com uma mulher que vestia um estranho verde, era uma bonita ruiva, mas não era possível ver muita coisa. Quando voltei minha visão para onde estava antes, Carine não estava mais lá. Aquela morena de curvas insinuantes que me atraia de forma perturbadora havia desaparecido, não conseguia esconder a aflição.

Comecei a andar para lá e para cá neuroticamente, fui de novo ao bar, pedi uma dose de uísque e virei de uma vez. Nesse momento se aproximou uma menina. Pele clara, cabelos cacheados, e um ar que beirava o mistério e a timidez, no estado de perturbação e pileque que eu estava não era possível definir ao certo como era ela.

“- Ei, cara, vai devagar. Ta tudo bem com você?”, ela disse.

“– E você realmente se importa?”.

“– calma, calma. Olha... meu nome é Flávia, como você se chama?”.
Em meio a soluços informei, pela segunda vez, meu nome a uma mulher. “Ricardo”, disse eu. Ela me veio dizer sobre exageros de álcool, ou algo parecido, eu não prestava muita atenção no que ela dizia. Olhava para ela. E olhava em volta. Eu queria ouvir o que aquela moça aparentemente gentil dizia, mas meus olhos olhavam por todo o bar, inquietos, velozes. Até que avistaram Carine ao longe.

“– desculpa ter de te interromper... Flávia, né? Mas tenho de ir correndo, desculpa”.

Corri até o encontro de Carine...

17 de maio de 2007

Capítulo 08

“ – Corre!”

E corremos, corremos muito, corremos como nunca havíamos corrido antes na vida. A subversão do que poderia, por uns, ser chamado de arte e que é tido como vandalismo pela maioria, pura moralidade. Quem é moral? O que é moral?!

Pedro parecia conhecer os caminhos obscuros daquela cidade como a palma da própria mão, todas as ruas, vielas e caminhos esdrúxulos que existem e não vemos à luz do dia. Ou preferíamos não ver.

Corríamos, fomos perseguidos durante muito tempo. Mas Pedro me conduzia por lugares por onde aquela viatura não podia chegar. Aquela lata velha caía aos pedaços, mas parecia resistir bravamente. Tinha gana de gente e assustava como gente.

Calor, tensão, suor, entramos em um beco que saia em uma ruela. Dois polícias nos perseguiam. A essas alturas já havíamos largado nossas latas e luvas, tínhamos nossas mochilas e trajávamos luto a fim de camuflar-nos no breu da noite.

“ – Aqui! Rápido.”

Após esse comando de meu amigo, o segui. Nos escondemos atrás de caixotes velhos de um aviário falido e abandonado. Agora a tensão reinava, a respiração era pesada, ofegante. As mãos, as pernas, os joelhos, até mesmo os olhos tremiam. O simples ruído da respiração podia despertar a atenção de nossos possíveis algozes. Comunicávamos por olhares e gestos com a cabeça.

Ouvíamos os passos e os “Splash” dos coturnos nas poças d’água.
"Eles passaram direto".

No mesmo instante corremos para outro lugar distante dali. Pedro sugeriu que comemorássemos, tomássemos alguma coisa em algum lugar. Segui com minha saga rumando a extravagância, precisava extravasar. A raiva ainda me consumia.

Começamos a caminhar pela cidade baixa. Ruelas sujas, bêbados, putas... A cidade pulsava como coração e espírito jovem, e, talvez por isso, inconseqüente. Encontramos uma casa, um bar, botequim, ou sei lá o que era aquilo. Havia uma banda tocando, músicos ruins que eram parte de um cenário medíocre como todo o resto da cidade. Entramos na tal casa. E começamos a beber. A bebida era ruim, forte e barata, a receita perfeita.

A tal banda tocava umas músicas porcas, sujas. Era rock, embora mal-feito, era rápido e cru. Foi aí que decidimos ir à frente do tablado, onde pessoas se aglomeravam em busca de não-se-sabe-bem-o-que.
Com o fim da apresentação, a aglomeração se desfaz. Eu e Pedro estávamos cansados, abatidos, suados.

Viro-me pro lado e avisto uma morena. Cabelos curtos, roupas justas...

“- Oi, morena. Já devem ter te elogiado hoje, não serei chato, mas vou perguntar seu nome. Qual é a sua graça”?

“ – Olá barbudinho! Eu me chamo Carine! E você? Qual seu nome?”

12 de maio de 2007

Capítulo 07 - Inferno

Tomado por um espírito de fúria fui voltando a passos largos, voltando sem saber bem para onde, mas voltando. Chutava cada caixa, saco ou cachorro que via pela frente, chutava garrafas, latas, atravessei ruas, parei o trânsito, gritei com a policia, xinguei mães alheias pela rua.

Caminhava em direção ao apartamento, fazia os percursos mais longos e complicados, dava voltas e mais voltas procurando por respostas que sabia que não encontraria em nenhum boteco pé-sujo qualquer de esquina do centro de uma metrópole como essa. Cidade vadia, cidade imunda!

Cheguei ao prédio já era noite, já era bêbado, já era frio, já era escuro. Subi as escadarias e subitamente me encontrei com Pedro descendo as mesmas escadas, ele vestia preto. Vestia preto e carregava uma mochila. Eu também vestia preto, mas, oposto ao proposto, carregava nada. Nada além de ódio, fúria, suor e álcool.

Lembro que naquele encontro Pedro se assustou com meu estado e perguntou o que tinha acontecido, ele me ofereceu a tal extravagância, abriu a mochila e me mostrou o que havia.

Latas de tinta em spray, garrafas e mais garrafas de bebida alcoólica, capuzes e toucas ninja.

“– Tem a manha?”

Não tinha nada a perder, literalmente.

Perguntei algo como

“ – Qual vai ser?”

e Pedro me disse: “ – Sei lá, vamos fazer uns rabiscos por aí.”

Eu já vestia luto, já usava tênis confortáveis, era o que me bastava.

Paredes, paredes, paredes, paredes, paredes, paredes, paredes, paredes, paredes, paredes, paredes e muros. Casas, prédios... A cidade inteira era uma grande tela, uma grande folha de papel preste a ser destruída por revolta, simples revolta. Ódio puro concentrado.

Sangue quente corria pelas veias, pelos vasos. Fervilhando, borbulhante. Quando instantaneamente um som. Eu conhecia aquele som, eu já havia ouvido enquanto observava a vida, seguro, por trás da minha janela.
O som se tornava cada vez mais alto, e presente.

“ – Puta que pariu! A polícia, cara!

...

4 de maio de 2007

capítulo 06

Ah que época aquela! Época dos absurdos, das comédias trágicas vividas na pele, na carne. Devaneios eram o que regiam minha mente, eram tempos de viver ao Deus dará. Foram meses e mais meses de uma estranha felicidade regada a prazeres sensoriais e flagelação, mas tal situação não duraria muito mais de alguns meses.

Durou até um dia, uma tarde pra ser mais exato. Era uma quarta-feira nublada, essas coisas sempre acontecem às quartas-feiras, principalmente nas nubladas. Fui ao banco para apanhar a tal da pensão, ou o que me sobrava dos descontos que ela sofria, desconto disso, desconto daquilo, coisas de Brasil. Era inicio de mês e fui recebido por uma imensa fila de pessoas, aquele era o mostruário do fracasso e eu ali no meio daquilo tudo.

Após algumas horas de espera foi chegada a minha vez, respondi prontamente o “boa tarde” automático da operadora de caixa, de forma amistosa.

“- Boa tarde, vim para retirada de pensão”.

Exibi os documentos necessários, tudo de acordo com o protocolo que seguia todo mês.

“- Não consta seu benefício, diz aqui que foi cortado”.

Ao que me lembro ter respondido

“- Como é? Que tipo de merda você pensa estar dizendo?”.

E fui obrigado a, passivo, ouvir algo como:

“- Se acalme senhor, não temos culpa nem controle sobre essas coisas. Aqui não entrou nada para o senhor, o senhor gostaria de estar ligando para o órgão que oferecia a pensão?”

OFERECIA? Fui deixado sozinho nessa desgraça de cidade, minha família morreu trabalhando! E vem alguém, que nunca me viu antes, dizer que me ofereciam um beneficio? Que tipo de pedinte achavam que eu fosse?

O suor me desceu, choque, caos, decepção, stress! A realidade parecia mais lunática ainda. Engoli seco e saí daquele lugar que me já parecia me sufocar.


E agora?

A extravagância que antes parecia apenas um remédio temporário, agora se fazia necessariamente real. Mais que um desejo, era palpável, pulsava por cada veia que percorria meu corpo, tomou conta do meu sangue, tomou conta de mim.

Ódio.