Ainda me lembro claramente daqueles tempos, que vivia sem me preocupar com muitas coisas, em que vivia numa cidade qualquer à beira mar, passava os dias a esperar a noite chegar e saía para ver a vida passar. Sentava-me em um banco e punha-me a observar como a gente ia se flagelando aos pouquinhos a cada dia que passava. Violência, álcool, sexo barato... Observava quase como se estivesse em um zoológico e vez por outra me permitia participar de toda aquela baderna organizada e que acontecia com rigor quase que religioso.
Todo santo-dia, ou mesmo todo dia-pagão, estavam todos lá, distribuídos por entre bares e botecos, mesas e grupelhos. A harmonia desorganizada daquele burburinho era entrecortada por vozes que subiam e desciam, por gargalhadas escandalosas e por gritos de “traz mais uma” e clichês semelhantes. Aliás, os clichês reinavam por toda parte, via-se o jovem engravatado levando uma caneca de chope em uma das mãos na busca de um “happy hour” perdido, peões com cara-de-acabado, prostitutas cheirando a frescor de água-de-colônia. Todos os estereótipos da vida urbana compartilhavam o mesmo espaço, a mesma luz da lua misturada ao amarelar dos postes.
Levava uma vida deveras desregrada naqueles tempos, só tinha compromisso com o descompromisso e empurrava as coisas com a barriga. Não que eu tivesse uma vida de burguês ou me portasse feito um almofadinha, mas o acaso nunca houvera me surpreendido e, de uma forma ou de outra, as coisas vinham sempre dando certo. Entre minhas posses não materiais eu tinha a total ciência de meus defeitos e minhas virtudes, ambos politicamente corretos e assim meio errados, entre eles, tinha a tal da sinceridade como ponto de interseção, a verdade que é por vezes confortante e, por outras, cortante. No mais, eu tinha um velho e desafinado piano, uma vitrola, a vida noturna e um teto sobre minha cabeça, eu verdadeiramente não precisava de mais nada. Não mesmo...